quarta-feira, 29 de junho de 2011

A liberação feminina


A Liberação Feminina


N
a década de cinquenta, a mulher deu um basta a séculos de domínio masculino.
Na verdade, o que as incomodava não era exatamente o controle dos homens nos negócios e em suas vidas privadas, mas o domínio de uma doença moral chamada machismo. Com o ato simbólico da queima dos sutiãs, iniciou-se a grande revolução feminina que hoje beneficia a todos, inclusive aos homens, que tiveram uma imensa relutância em reconhecer os direitos da mulher. Elas, na verdade, nunca quiseram ser iguais aos homens, mas respeitadas por eles.
Hoje temos um universo de coisas que se movimenta a partir da mulher, inclusive o mundo masculino. São elas que compram nossas roupas, que determinam os perfumes que usamos, os carros que adquirimos e muitas outras coisas que não caberiam em um só livro como este. São elas que sustentam seus filhos e, em muitos casos, até seus netinhos. Que constroem suas casas como se fossem arquitetas graduadas, simplesmente porque enxergam além de uma fria parede de cimento: enxergam seus familiares comemorando suas conquistas em jantares ou em outras reuniões familiares. E esse é o seu principal atributo de sobrevivência: o bom gosto, a paixão pela vida!
Cabe a nós, seus humildes servos, desenvolver soluções que acompanhem o seu gosto apurado por natureza e manter alimentado seu desejo e seu direito de consumir tudo o que se vê pela frente. Cabe a nós, tornar sua vida mais confortável e prática, e isso tem que ser para nós o maior prazer.
É para elas que estamos aqui, a sua inteira disposição. 

O Lixeiro

Capítulo 01



U
ma segunda-feira do mês de dezembro de 1970.
– Toninho!
– Já vou, mãe.
– Vá buscar sua irmã na escola.
– Tá... Já vou!
Era um dia fresco de verão, embora pouco comum para os padrões brasileiros. Toninho era um menino negro e muito feliz, de uma família de oito irmãos. Seu pai trabalhava em uma fundição na cidade e sua mãe era diarista e não conseguia ganhar muito, pois nem todos aceitavam uma senhora negra para trabalhar em sua casa. Sendo o segundo filho do casal, Toninho cuidava dos irmãos menores, já que Carlão havia tomado os caminhos nada convencionais das drogas e se afastado da família, deixando os pais à beira da loucura. Há dois anos, Carlão fora preso por tráfico de cocaína e estava jurado de morte, se não pagasse sua dívida com os outros traficantes ao sair da cadeia.
Passados dois anos e seis meses de sua prisão, Carlão saiu em liberdade condicional e foi direto para a casa de seus pais. Decidido a mudar de vida, jurou para seus pais e para si próprio que dali em diante recomeçaria do zero.
No primeiro dia de sua liberdade, Carlão foi procurado por um de seus antigos fornecedores, que não estava disposto a esquecer sua dívida e tornou a ameaçá-lo de morte, caso não a pagasse.
Carlão pediu um prazo, disse que iria arrumar um emprego para pagá-lo em pouco tempo.
Passaram-se dois meses e Carlão não conseguiu o dinheiro. O traficante, que trazia em seu coração centenas de pedras, jurou sua família de morte: primeiro seus pais e depois seus irmãos, amontoando os corpos uns sobre os outros.
Depois de uma semana, não tendo recebido seu dinheiro, o traficante voltou. Eram cerca de duas horas da madrugada e todos dormiam. Ele e seus comparsas metralharam o barraco da família de Carlão, matando a todos sem piedade. Todos dormiam abraçados uns aos outros, pois no barraco só havia três camas. Somente Toninho, que dormia no chão do banheiro por trás da porta que dava acesso a um pequeno lavatório, passou despercebido pelos assassinos impiedosos. Como se não bastasse tamanha crueldade, Carlão foi queimado e atirado em um pequeno córrego atrás do seu barraco. Em seguida, atearam fogo ao barraco e Toninho foi retirado às pressas por seus vizinhos quando perceberam a fuga dos bandidos e correram na intenção de salvar a família.
Ao acordar, Toninho percebeu o ocorrido e, desesperado, correu para os destroços do barraco, procurando inutilmente sobreviventes. Quando percebeu que já era tarde para isso, calou-se para sempre. Sua família havia sumido do mapa, mal sobrara qualquer pedaço de pano, um brinquedo ou seus documentos para provar sua existência no mundo. Não havia mais nada, além de sujeira, cinzas, saudade e tristeza.
Toninho foi levado ao Juizado da Infância e da Juventude, que o abrigou por algum tempo. Em seu rosto, ficaram marcas de queimaduras e uma fisionomia dura e devastadoramente agressiva, embora seus gestos não expressassem isso. O juiz nomeou a avó paterna para cuidar do menino. Ela tentou rejeitar o garoto. Mas, pela insistência da justiça, acabou por levá-lo para sua casa, onde o maltratou por longos anos.
Toninho sofreu de sua avó as mais cruéis maldades, pois ela o culpava pela morte de seu filho único, o pai do garoto.
– Por que não morreu no lugar de seu pai, negrinho maldito e inútil? – dizia sempre ela, sob efeito de álcool.
Além dos maus tratos da avó, na escola os garotos o discriminavam por sua cor e por ser mudo. Havia um colega em especial, que morava na rua da qual a sua era uma pequena travessa. Esse garoto, dotado de pele clara, cabelos loiros e olhos verdes, tratava-o com uma estranha crueldade. Seu nome era Marcelo, educado sob forte influência do racismo, personificado por seu pai.
Em todas as atividades esportivas da escola em que o professor deixava os alunos escolherem os seus times, o tal Marcelo, se não fosse o selecionador, convencia seus colegas a tirá-lo do time e se divertia ao vê-lo chorar à beira da quadra. Marcelo era filho de um militar do exército. Herdou de seu pai uma arrogância e uma crueldade sem fundamentos.
Os anos foram passando e a perseguição de Marcelo e sua turma foram minando os nervos de Toninho. Certo dia, em um jogo de futebol, Toninho, muito mais hábil que Marcelo, deu-lhe um drible, depois conseguiu fugir da falta traiçoeira do Juca em defesa da honra de Marcelo e marcou um golaço merecedor de uma medalha. Depois da partida e de enfrentarem a zombaria dos colegas e dos rivais, os dois garotos e mais três covardes atacaram Toninho na volta para casa e o feriram a ponto de fazer um corte profundo em sua face direita.
Ao chegar em casa, Toninho ainda foi castigado severamente por sua alcoolizada avó, por arrumar confusão com o filho do militar que, para ela, era um homem distinto.
A infância de Toninho foi cheia de maldades e misérias, atiradas de corações de pedra por todos os lados. Já adolescente, conheceu um velho médico chamado Antenor que, sempre que o via passar por sua rua, tratava-o com carinho e gentileza, bem diferente dos demais a sua volta.
Toninho era ainda muito arredio e fugia sempre que o via, atravessando para a outra calçada, achando que ele era mais um que se aproximava para se aproveitar ou judiar dele.
Certo dia, depois de mais uma agressão da turma de Marcelo, Toninho sofreu um desmaio ao passar pela calçada do Dr. Antenor. Foi recolhido pelo velho médico e levado ao pequeno consultório que ele mantinha na própria residência para atender pessoas necessitadas da cidade, embora trabalhasse em um hospital na capital.
Minutos depois, o garoto acordou já com os ferimentos cobertos e tratados e, ao deparar-se com o médico a sua frente, correu desesperadamente para a rua em direção a sua casa. Ainda sem entender o que havia acontecido, o garoto mal percebera os ferimentos e os curativos feitos pelo doutor e sua mulher, Sara.
Dr. Antenor não tinha filhos e, ao lado de sua linda mulher, levava uma vida confortável em sua mansão, com um jardim bem planejado e cuidado por Dona Sara, que fazia daquele lugar um verdadeiro pedacinho do céu.
No dia da fuga de Toninho do consultório, ao ver seu marido preocupado com o garoto, Dona Sara abraçou-o, confortando-lhe o coração, e com muita sabedoria o aconselhou:
– Meu amado marido, contenha a sua tristeza! Esse garoto deve sofrer as mais variadas torturas da vida. Seu coração é arredio, mas a sua alma é boa. Eu vejo isso nos olhos dele. Tenha cuidado para não lhe dar expectativas vãs, que poderiam levá-lo a um estado emocional muito pior do que o atual.
– Claro, querida! Fico muito grato por sua compreensão e seus conselhos tão sábios. Eu não esperaria nada menos de você. Nestes cinquenta anos de matrimônio e nesta infinita solidão a dois, percebemos que o dinheiro para nós não tem tanta importância e que o valor das pessoas é muito maior, independente de classe social ou cor de pele.
O velho Antenor já havia passado dias duros, por uma decepção muito grande no ambiente familiar. Deprimido, fora parar nas ruas como mendigo. Assim permaneceu por um bom tempo, até que, estimulado pela vida, voltou a exercer a medicina, recuperou-se e seguiu prosperando.
No dia seguinte, escondido entre os galhos de um arbusto, Toninho observava o velho casal colher e podar as flores do seu jardim. De maneira instintiva, Dona Sara, mesmo sem se voltar para o garoto que estava atrás dela, disse-lhe com generosidade:
– Por que não entra e vem nos ajudar?
Toninho, assustado com a percepção da mulher, sentou-se na calçada sem saber o que fazer.
– Venha, precisamos de ajuda! – continuou docemente Dona Sara, enquanto o velho Antenor os observava com os olhos marejados de lágrimas.
Devagar, Toninho se aproximou do portão de entrada, feito de madeira vermelha e muito comum na época, que estava semiaberto, como se já o esperassem. O garoto entrou desconfiado, escondendo-se à sombra de uma mangueira que ficava no canto direito do terreno da casa principal. Dr. Antenor pediu que pegasse o saco de estopa que estava ao seu lado e recolhesse as folhas secas espalhadas no jardim para serem removidas dali.
Toninho, aos poucos, foi se aproximando do casal que, com doçura e tato, buscava conquistá-lo.
Embora fosse estimulado constantemente pelo casal, o sorriso do menino mudo insistia em não aparecer. Dia após dia, sua aproximação era feita por gestos, como um aceno com a cabeça ou um dedo apontado para o local onde deveria deixar uma caixa ou pegar uma fruta para se alimentar. Toninho ganhava agrados, como peças de roupas ou moedas para comprar um lanche melhor para a escola, mas pouco sabia o casal sobre a história do garoto.
Uma coisa ainda intrigava Dr. Antenor e sua esposa. Quando lhe faziam perguntas, o garoto não respondia e logo seu semblante se entristecia. Presumindo que aquelas perguntas causavam-lhe muita dor, calavam-se em seu respeito.




Os Encantos de Altinho



Capítulo 02
O mistério do Una!
Os dias foram se passando, as crianças faziam
novos amiguinhos e um novo grupinho se formava.
Familiarizavam-se com a cidade e as brincadeiras das
crianças da cidadela, acostumados que estavam com
joguinhos de videogame, skate, patinetes e outras
brincadeiras das grandes cidades.
Em Altinho, conheceram brincadeiras de roda,
passa-anel, quebra-panela. Nesta, pendura-se em uma
árvore uma panela de barro recheada de doces, balas e
muita farinha de trigo, dá-se um cabo de vassoura para
um sorteado e vendam-se os olhos dele como na
cabra-cega. Daí, então, é só girá-lo e torcer, ajudandoo
a acertar a panela para quebrá-la, pular e encher o
bolso de doces e balas. É muito bom também brincar
de esconder, tendo para isso toda uma cidade como
cenário. É só demarcar os limites de distância e usar a
aguçada imaginação que toda criança tem.
Mais e mais dias se passavam e iam chegando
na cidade novas figuras interessantes. Um carioca
espertíssimo, cheio de conversa, gerando uma desconfiança
geral por parte dos moradores. Eles achavam
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que havia algo de errado com aquele sujeito, mas
também se perguntavam sobre um certo forasteiro que,
ao contrário do carioca, falava pouco, nada dizia do
seu passado nem sobre sua origem. Era educado e se
preocupava muito com a zona periférica da cidade,
onde havia muita miséria e desocupação.
Inconformado com aquilo, tentava reanimar o povo
com discursos que, embora serenos e recheados de
sensatez, já haviam chegado aos ouvidos do prefeito
da cidade, um quase imperador real altinense, cheio
de cerimônias e formalidades, o Seu DIMAS PONTE
PRETA, muito conhecido popularmente por Seu Teta,
por exagerar nas mamações no Governo Municipal.
Bem, mas como em todo lugar existe também
a turma do bem, havia o Padre Miguel, que era o viceprefeito
e um intelectual conhecedor de política,
botânica, sociologia, bem como o principal articulador
de um abaixo-assinado contra a empresa do irmão do
prefeito, que ficava às margens do Una, pela falta dos
equipamentos necessários para manter a qualidade da
água do rio e reerguer a velha vila dos pescadores.
– Bom dia! Cadê os meus bebês? Venham ver
o que o vovô trouxe para vocês.
– Oba, oba, é o vô, Ti! Sua benção, vô.
– Deus os abençoe, filhos.
– O que você trouxe, vô?
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– Trouxe uma jaca maravilhosa, enorme e
muito gostosa, vamos experimentá-la?
– Vamos!!! – responderam, alegre e curiosamente
os garotos.
Enquanto comiam a deliciosa jaca dura que o
vovô trouxera, comentavam sobre o ocorrido na
cachoeira do rio:
– Filhos, sobre o que vocês viram naquele dia
no rio... Por acaso, vocês comentaram com o papai e a
mamãe?
– Não, vô – respondeu o garoto. – O velhinho
do rio pediu para não falar nada para ninguém por
enquanto, pois um mistério está rondando a cidade e
só depois que ele for revelado deveremos falar sobre o
que vimos.
– Mas quando ele lhe disse isso? – perguntou
o velho.
– Agora, vô.
– Como assim?
– Olha ele, vô.
– Onde?
– Sentado no pé de goiaba no canto do
quintal. Você não está vendo?
– Não, meu netinho, acho que não posso
vê-lo.
– Pode, sim, vô! Ele disse que é só olhar para
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dentro de si que o verá em seu coração. Mas, para isso,
precisa purificar seu espírito, porque só assim mais
claramente o verá.
– Como ele é?
– Usa uma roupa estranha que eu nunca vi
antes, tem cabelinhos bem branquinhos, vive rindo,
tem olhos bem fechadinhos e, além de sempre estar
segurando uma flor diferente a cada vez que aparece,
sai de dentro da barriga dele uma luz muito forte que,
se você ficar muito tempo olhando, chega até a fazer
doer os seus olhos.
– Meu Deus, o que é isso? O que está acontecendo
aqui?
O mistério ficou no ar, o avô ficou muito
intrigado com a descrição que o neto havia feito. Parecia
tudo muito fantasioso, mas como um garotinho de
seis aninhos poderia ter tal imaginação? Se era uma
criação de sua mente fértil, por que sua irmãzinha
ficava olhando para o mesmo ponto a que ele se
referia e acenava continuamente como se brincasse com
alguém. Mal acabara o velho de fazer a si mesmo tais
perguntas, ouviu-se um barulho repentino, estridente
e quase vulcânico, soando no sentido da praça.
A cidade imediatamente entrou em pânico. Foi
um corre-corre geral, o medo tomou conta de todos.
O papai e a mamãe, que estavam na cozinha a prepa32
rar um delicioso almoço domingueiro, desceram
correndo as escadas até o quintal, à procura dos
pequenos, que estavam abraçados ao avô embaixo do
pé de goiaba. Outro fato inexplicável, porém, ocorrera
neste momento: como podiam estar já debaixo do pé
de goiaba, se no momento do estrondo estavam a
conversar sentados ao pé da escada?
Mistééééééééério!!!!
Uma vez tranqüilo quanto à segurança dos
filhos e do pai, o Seu José saiu à procura de uma
explicação para o tal barulho. A cidade toda estava em
polvorosa. Alguns diziam que fora um terremoto. Outros,
fanáticos religiosos, que era o fim do mundo. E
muitas outras coisas foram ditas em praça pública. Na
verdade, o que acabara de se instalar na cidade era um
espírito do mal, que buscava naquele local pacato o
cenário ideal para constituir o seu universo maligno,
sendo que a própria natureza poderia fazer parte de
sua conspiração destrutiva.
Na praça, onde toda a cidade resolvera se
reunir, encontravam-se os diversos setores da
sociedade altinense. Naquele instante, havia um sentimento
de insegurança total e ninguém conseguia
chegar a conclusão alguma.
Pediu, então, o prefeito para sua secretária,
Dona Coca, que lhe buscasse um microfone e uma
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cadeira. De imediato, foi Dona Coquinha à procura dos
tais, para satisfazer mais uma vontade do seu querido
e adorado chefinho. Pouco tempo depois, voltava ela
com seus assessores, para deleite do prefeito, que em
seguida subiu na cadeira e iniciou um inflamado
discurso.
– Queridíssimos e preciosíssimos eleitores, eu,
o seu prefeito, o homem que serve à população como
uma ovelha serve ao seu pastor, um homem de uma
índole irrepreensível, capaz de transpor os sete mares
para salvar o seu povo e libertá-lo das garras dos faraós,
homem eu, capaz de buscar no inexplicável as mais
consistentes explicações para apascentar o meu povo,
prometo, diante do Cristo Crucificado da nossa Igreja
Matriz, que em poucos dias traremos profissionais
especializados, os mais renomados cientistas do País,
para descobrir o que aconteceu neste dia. Agradeço a
vossa atenção e certifiquem-se de que este humilde
servo estará dia e noite trabalhando em benefício do
seu povo. Obrigado, obrigado, obrigado! – E meneava
a cabeça, como se estivesse sendo aplaudido.
Porém, aos cochichos estava toda a praça,
apreensiva com a situação e contestando secretamente
o discurso do prefeito. Sabiam eles que daquele mato
costumava nunca sair coelho.
Ao voltar para casa, o Seu José encontrou
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também voltando o Seu Airton, o famoso forasteiro do
qual se ouvia muito falar por seus feitos junto à
população da pequena periferia da cidade.
– Como vai o senhor, tudo bem? – perguntou
o Seu José.
– Tudo – respondeu.
– O que o senhor achou do discurso do nosso
prefeito?
– Que tipo de resposta o senhor espera ouvir,
a mais sincera ou a mais lógica?
– Aquela que me convença e me ajude a
chegar a alguma conclusão, pois sinceramente não
estou ainda muito convencido de muita coisa que vi e
ouvi nesta manhã.
– Bem, nunca passei por experiência parecida
e confesso que também nunca ouvi um discurso tão
improvisado e sem base quanto o que acabamos de
presenciar. Desde que cheguei a esta cidade, tenho
conhecido muitas situações diferentes de tudo o que já
vi por onde passei. Há aqui um povo forte, capaz de
trabalhar em diferentes atividades e buscar com os seus
próprios recursos suas também próprias soluções. Mas
há também uma terra fértil e inutilizada. Cortando a
cidade, um rio lindo mas poluído, que poderia ser
tratado e transformado em meio de sustento para o
povo. E, para terminar e piorar toda esta situação, um
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líder pretensioso e arrogante, que tenta transformar em
trunfo político a desgraça de seu próprio povo.
– Puxa, é realmente muito clara a sua linha de
pensamento, mas muito perigosa também. Por isso,
meu amigo, evite ser tão claro publicamente em suas
idéias, pois, em lugares pequenos como este, não
podemos confiar em muitos. Tem muita gente que se
vende por uma dentadura, uma bicicleta e outras
pequenas coisas, como sabemos. De qualquer forma,
foi muito bom conhecê-lo e saber que o meu povo tem
a seu lado um novo líder, alguém que tem bagagem
suficiente para organizá-lo.
– Seu José, o senhor já foi político, líder comunitário
ou mesmo um líder religioso?
– Não, caríssimo, estas coisas sinceramente me
põem medo. Mas me refiro a esta gente como “meu
povo”, pois vivi muito tempo longe daqui e passei por
muitas necessidades também, por isso falo com
segurança e conhecimento de causa. Assim, deixo
formalizado, neste momento, meu convite para um
jantar em minha casa, para que possa conhecê-lo
melhor e o senhor conheça minha família. Tenho
certeza que começa aqui uma grande amizade e,
quando o senhor menos esperar, estarei na periferia
para conhecer melhor seu trabalho com o nosso povo.
– Claro, faço minhas as suas palavras e aceito
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o seu convite, que seja feito assim. Até logo.
– Até.
Saíram os dois, cada um para seu destino,
felizes por conhecerem um ao outro.
Chegando o Seu José a sua casa com as
novidades ocorridas na cidade, falou para sua amada
esposa sobre o forasteiro misterioso que acabara de
conhecer. Ela o aconselhou a não se empolgar muito
com aquela nova amizade, pois já haviam passado por
muitas decepções no passado, com amizades e
parentela, e por este motivo prevenia ela o marido.
Ainda assim, o jantar aconteceu alguns dias depois e
foi muito agradável para todos

Os Vencedores


Primeiras Crises






O quadro que apresentarei abaixo não se limita a pessoas ligadas à produção de uma empresa, mesmo porque todos somos elementos produtivos. Se não o somos, não servimos mais.
As empresas modernas tomam, sempre que possível, o cuidado de mesclar colaboradores de ambos os sexos em um setor, porque a aglomeração de pessoas de um mesmo sexo gera conflitos diversos, derrubando o bom aproveitamento das equipes.
O ser humano é extremamente competitivo e, na maioria das vezes, rival por natureza, agindo com deslealdade se for colocado em risco algum de seus interesses.
É baseado nisso que alguns estudos comprovam que a mesclagem de sexos reduz sensivelmente a desunião e o desequilíbrio das equipes.
A psicologia moderna tem interferido profundamente na seleção de colaboradores e, em muitos casos, no remanejamento de colaboradores conforme as aptidões naturais de cada um.
Após alguns meses de convívio com uma equipe, é comum começarmos a nos desentender com colegas, por diversos motivos que, na sua maioria, são extremamente fúteis, colocando em risco a nossa permanência no emprego.
Precisamos ter muito cuidado em julgar antes de conhecer, pois podemos estar desmerecendo alguém profundamente valoroso por não lhe dar o direito de defesa. Esse papo de “não fui com a cara dele ou dela” não pode existir. Dizer que “se ele quer me derrubar e o derrubarei primeiro!” não passa de irracionalidade e não nos leva a outra direção que não a porta da rua.
Outra regra básica para a boa convivência com lealdade é nunca falar de quem está ausente. Não tire de seus colegas o direito de defender-se. Mas seria diferente se você visse alguém cometendo um ato criminoso dentro da empresa ou algo que prejudicasse a todos, tirando a segurança ou a harmonia do ambiente de trabalho. Nesse caso, não seria fofoca, mas denúncia, e caberia a seus chefes ou outras autoridades dar-lhe o direito de defesa.
Outra coisa muito importante é colaborar com a equipe. Busque estar atento às necessidades de seus colegas e colaborar diretamente com aquele que não está bem, por qualquer que seja o motivo. Ajude-o hoje, amanhã talvez você precise de ajuda. Nunca é demais trabalhar em função de todos. Um ambiente harmonioso serve para a melhoria de todos.
Pense sempre positivo e torça para a vitória de seus colegas, pois se seu dia de sorte não for hoje, com certeza logo chegará. Faça por merecê-lo!
Existe uma lei que rege o universo que qualquer pessoa pode observar e pôr em prática; é a Lei da Ação e da Reação. Cuidado com o que planta, pois será sempre em dobro o que colherá!

O Medalhão de Niceia


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O almoço com Mohamed


P
or volta das 12hs da manhã, Alli chamou, com um bater de palmas, o grupo que estava apreciando as dependências do pequeno palacete de Mohamed.
- O almoço esta à sua disposição, senhor Mohamed. – disse com servidão.
- Venham, meus amigos. Chegou a hora de degustarem outras maravilhas do oriente.
- Seu Mohamed, quantos escravos o senhor tem na sua propriedade? – perguntou Aline curiosa.
- Psiu! Não diga escravos aqui dentro, menina. Isso deve ser dito nos becos e nas ruas da cidade. Somos uma cooperativa de amigos que se ajudam. Meus colaboradores trabalham com conforto e decência e os mantenho da maneira mais digna. Aqui, chicotes e outros acessórios de castigo só servem de objetos de decoração ou para iludir os romanos. Em nossas propriedades essas pessoas são parceiras e nunca escravos. Agora vamos nos alimentar.
Seguiram por corredores longos e ajardinados. Havia, em sua extensão, pequenas piscinas d’água limpa que serviam como objeto de decoração. Vasos imensos com pequenos arbustos de plantas frutíferas também ornamentavam os corredores do palacete de Mohamed.
Chegando ao ambiente suntuoso, uma mesa imensa e móveis rústicos, porém de muito bom gosto, preenchiam o centro da sala. Nas laterais, oito vãos arqueados de colunas arredondadas permitiram enxergar ao longe o céu limpo, com algumas nuvens algodoadas de beleza sem par.
Depois de acomodados, Mohamed pediu sua atenção para que fosse feita a oração habitual para o almoço. De olhos fechados e com sentimento de gratidão disse:
- “Querido e amado Deus. É com profundo prazer que recebemos em nossa humilde morada os nossos irmãos vindos de um mundo distante, mas que lutam pelos mesmos objetivos de nosso conselho e compartilham do sentimento de renovação pacífica da humanidade. Espero que nosso alimento seja abençoado e que sejamos santos em nossas atitudes perante a vida e os nossos sentimentos. Que nossos erros sejam menores que nossas virtudes e que os benefícios gerados por nossas atitudes sejam infinitamente maiores que nossa vaidade humana. Pedimos humildemente sua permissão e sua bênção para nos alimentarmos da carne e do pão, como o sagrado maná enviado na travessia do deserto! Amém!” Podemos nos servir, amados irmãos. Sintam-se à vontade. Bom apetite!
Depois de alguns minutos, Mohamed, observando que seus visitantes haviam se fartado da saborosa carne e do bom vinho, quis saciar sua curiosidade sobre o tempo do qual os amigos tinham vindo.
- Minha linda amiga, Aline! Eu gostaria de saber um pouco mais sobre você e sua aldeia.
Rindo, Aline começou:
- Desculpe o riso, amigo Mohamed. Todos nós aqui somos de um mesmo país chamado Brasil, porém, cada um de nós veio de uma cidade diferente. Eu e Jorge Lúcio viemos de São Paulo, um grande estado, cuja capital tem o mesmo nome. É uma cidade enorme, com milhões de habitantes, de grande progresso; por isso, é engraçado ouvi-lo chamá-la de aldeia. Eu sou neta de japoneses, habitantes de um país chamado Japão, mas meus pais nasceram no Brasil. Somos de uma religião chamada Budismo, que surgiu na Índia, com os ensinamentos de Siddharta Gautama, o Buda, por volta de setecentos anos anteriores ao seu período atual, ou seja, aproximadamente 400 anos antes de Cristo. O Budismo, embora tenha sido iniciado na Índia, teve varias escolas posteriores como a chinesa, japonesa, tibetana e outras mais. Cada uma adaptada ao entendimento e evolução de seu povo. Acreditamos que existem dois infernos: o quente e o gelado. Praticamos o respeito à natureza divina e humana. Temos orações especiais. O nosso maior objetivo é a busca incessante da nossa iluminação espiritual através da meditação e da pratica de boas atitudes em relação ao Todo Divino.
- Interessante! - disse Mohamed. É muito saudável e inteligente. E quanto à sua, Antônio?
- Eu sou um cristão evangélico pentecostal. Moro numa cidade chamada Rio de Janeiro que é uma das maravilhas do mundo moderno. Sou um ex-presidiário que me converti a Jesus dentro da prisão. Sou pai de dois filhos. Minha religião deriva do protestantismo, que teve origem por revolta de um sacerdote chamado Martin Lutero, indignado com os abusos dos católicos romanos. Somos seguidores de Jesus e de seus maravilhosos testemunhos deixados num santo livro chamado Bíblia. Não acreditamos em reencarnação, nem em santos. O nosso grande propósito é combater o mal, personificado no diabo, que é um sujeito inteligente e astuto e vive à espreita, induzindo-nos ao erro e à perda da salvação. Temos nossos profetas e as nossas escolas são também muito variadas.
- O que são pentecostais, meu filho? – disse Mohamed.
- São igrejas que usam o fogo do Espírito Santo para queimar os males da humanidade. Vivemos revelações proféticas e falamos em línguas estranhas.
- E você, Maria Lúcia? O que segue? – continuou Mohamed.
- Eu sou natural de um estado chamado Pernambuco. Tornei-me espírita kardecista quando perdi minha filha, que morreu de uma doença degenerativa. Encontrei nesta religião respostas para muitas perguntas que eu tinha em relação a essa perda que eu classificava como injustiça divina. Seguimos também os princípios cristãos da caridade e do amor ao próximo. Acreditamos na reencarnação e este é o principal requisito para ser considerado espírita. Outras escolas, que nós chamamos de espiritualistas, também existem em nosso meio, que são classificados conforme suas práticas e seus rituais. Fomos fundamentados em cima dos estudos de um pedagogo francês chamado Allan Kardec que, pesquisando a fundo as manifestações espirituais por todo o mundo, codificou a terceira revelação divina que chamamos de O Consolador, à qual Jesus se referia em sua passagem pela Terra. Acreditamos que Jesus é o espírito mais elevado da Terra e, em nosso entendimento, Deus o colocou como o governador de nosso planeta. Ao contrário de algumas religiões, não acreditamos em final do mundo e, para nós, o julgamento “final” é feito sempre que passamos de uma vida a outra. Concordamos com os budistas no que se refere às leis do carma e à iluminação interior, as quais nos levam a uma condição melhor de existência.
- E você, Júlio? – continuou Mohamed.
- Sou baiano por natureza. A Bahia é um estado onde se confundem as religiões. Metade africana é minha cidade chamada Salvador e o lado católico, não resistindo, decidiu vestir-se de África também. Eu sou católico apostólico romano. Minha igreja vem da promessa de Cristo de que a sua igreja seria assentada na sua pedra fundamental chamada Pedro, que dá nome à nossa basílica principal em Roma, no centro da qual há um país independente chamado Vaticano, onde vive nosso líder maior, chamado Papa. Não acreditamos em reencarnação e somos adeptos dos santos como principais auxiliares de Deus e Jesus e, ao contrário do que outras religiões afirmam, não adoramos imagens, mas rendemos graças aos santos a que se referem. Também, assim como os evangélicos, acreditamos na Santíssima Trindade. Não praticamos línguas estranhas, pois aprendemos nas cartas de Paulo que diziam: de que vale falar as línguas estranhas se não sabemos o que elas dizem? Temos sacramentos como: batismo, primeira comunhão e crisma e, aos poucos, estamos nos adaptando aos tempos modernos. Somos continuamente criticados por pessoas que insistem em culpar nosso clero atual pelos erros passados da Roma Católica, que promoveu verdadeiras tragédias na humanidade em nome de Deus.
- Agora chegou a sua vez, irmão Jorge Lúcio. Diga-nos o que segue. – consentiu Mohamed.
- Eu sigo o vento que sopra meu corpo e o meu rosto nas madrugadas frias de São Paulo. Durmo nas calçadas, ou embaixo de marquises de prédios. Cubro-me com folhas de árvores ou jornais velhos. Sigo o caminho da fome e da miséria humana. Aceito qualquer tipo de ajuda desprovido de imposições religiosas. Muitas vezes, pessoas vêm nos abordar para falar de um Deus justo e mágico, que nos deixa nas sarjetas, e querem que primeiro aceitemos Jesus, para depois nos darem o que comer. Como pode um homem, que mal consegue levantar o seu corpo, acreditar na justiça de alguém que nos envia um monte de importunos para nos tirar de nossa miséria pessoal, sem compreender o que passamos? Vêm nos falar da travessia de Moisés no deserto, sem conhecer o deserto de emoções que vivemos dia a dia. Comigo pouco me preocupo, mas vivo o desespero de amigos, que morrem em meus braços, sem que haja um local para enterrá-los dignamente. Como poderia acreditar em vida após a morte, se não consigo compreender, na maior parte do tempo, se estou vivo ou morto? Como poderia crer em Darma ou Carma, se eu não consigo compreender nem o que estou fazendo neste planeta imundo e cheio de sofrimento? Todos querem recuperar o planeta, a auto-estima, a economia e uma infinidade de outras coisas e esquecem que o que precisa ser mudado é a alma humana, antes que não sobre mais tempo para isso. Em mim não há memória, por não saber quem sou e nem de onde venho. Em mim não há sentimento, por não sentir a presença de uma família como pais e irmãos. Em mim não há esperança, por não entender como algumas pessoas são tão ricas e outras vivem desumanamente em locais tão miseráveis. Eu não consigo entender como pessoas tão inteligentes, tão instruídas, podem ser tão mal educadas algumas vezes, infelizes e egoístas quase sempre e outras pessoas, que receberam pouca ou nenhuma instrução, conseguem ser felizes em seus instantes de miséria pessoal e ainda serem generosas com seus irmãos. Vejo igrejas lotadas de pessoas doando o que têm para ajudar seus padres e pastores a comprar o cantinho do céu e outros queimando dinheiro com despachos que largam nas encruzilhadas, deixando de dar alimento para quem tem fome. Vejo loucos gritando em seus templos e outros chorando de fome nas ruas. Vejo bocas falando o nome de Jesus à toa e depois, amaldiçoando os que não seguem suas crenças. Eu sou mais eu, por enquanto, até o dia em que eu me reencontrar com Deus e, desse dia em diante, talvez, tudo seja diferente!